Exaltando as origens, Dizperto é um álbum de começo, meio e fim. Fernando Mascarenhas resgatou um formato mais tradicional, com as raízes cravadas ali em 1966, para construir seu primeiro disco no melhor modo indie pop cancioneiro.
Influências do jazz e até da música eletrônica se fundem à sonoridade de conterrâneos de Fernando, como Lô Borges, Beto Guedes e todo o pessoal que fazia parte do Clube da Esquina, para criar algo novo.
Faixas bem orgânicas, crias de um distanciamento social, tomam forma entre jogos de palavras e trazem posicionamentos certeiros, sem medo de se mostrarem, até mesmo, políticas, começando por “Dia 37” (também deu tela azul na sua cabeça com esse título?).
Lançada como primeiro single, é uma das músicas mais densas deste trabalho. Um desabafo sobre a distância, a solidão, enfim, sequelas de uma época de pandemia. “A introspecção forçada me fez perceber, quando compus essa música sobre a minha experiência (N/A editor: começando, inclusive, no dia 37 da quarentena), que várias canções que eu havia composto dois, três ou quatro anos atrás faziam sentido para a situação mundial em 2020. Isso me ajudou a escolher 14, dentre 20 cogitadas, pois se completavam e dialogavam entre si: todas elas, de alguma forma, têm um tema central, expresso pelo trocadilho do título”, ele explica.
Esse processo de composição foi longo – pode botar aí uns cinco anos na conta, desde o fim da sua banda, Paquiderme Escarlate –, mas foi se ressignificando no meio do caminho até resultar nas sessões de gravação em isolamento com o multi-instrumentista Yuri Lopes.
E com tanta bagagem para contar história, convidamos Fernando para uma entre(vista), formato criado especialmente para refletir esse trabalho criativo de Dizperto. Em 5 fotos, ele faz uma retrospectiva e divide com a gente como foi seu processo. Confira!
Fernando: Compor canções e viajar são possivelmente as coisas que mais gosto de fazer e é sempre ótimo juntar as duas. Em ‘Dizperto’ estão presentes composições de várias épocas, compostas em vários lugares. Dentre os principais, Belo Horizonte (MG), São Paulo (SP), São Thomé das Letras (MG), Ilha de Boipeba (BA) e Monteiro Lobato (SP). Este último, como ilustra a foto, foi onde onde compus duas músicas de ‘Dizperto’ (A Barragem e É Estranho) em 2019 e serviu de retiro espiritual para ensaiar o repertório e pré-produzir o álbum no ano seguinte, em Janeiro de 2020. Estar próximo à natureza e isolado, em introspecção, sempre me ajudou a entrar em um estado criativo e compor.
Fernando: Eu tinha em mente gravar meu álbum em um estúdio profissional. Com a pandemia, veio também a mudança de planos nesse aspecto. Mudança que se mostrou positiva, pois foi possível realizar uma imersão musical de 25 dias seguidos, onde respirei música 24 horas por dia. Eu amo os ares do Santa Tereza, bairro famoso por ser o berço do Clube da Esquina e que sempre me acolheu, me sinto em casa aqui. E a troca do estúdio pela casa nos permitiu ser mais perfeccionistas, nos preocupar menos com o tempo e mais com o resultado. Na foto em questão ocorria a gravação dos baixos do disco.
Fernando: Yuri é um amigo de longa data que já subiu aos palcos comigo em diversas ocasiões e foi minha primeira opção quando percebi que a produção de ‘Dizperto’ deveria envolver menos pessoas. Ele preenchia todos os requisitos, possuía o equipamento necessário, tinha experiência com gravação, um ouvido absurdo para timbres e o melhor de tudo, é um admirador do meu trabalho. Ele ficou 25 dias seguidos aqui em minha casa, assina a produção comigo, encabeçou o processo de mixagem e também toca pelo menos um instrumento em todas as faixas do disco, sendo o único músico presente nas sessões além de mim. Sua ajuda para a realização do álbum é incomensurável.
Fernando: A fotógrafa Dolores Orange, de Recife, foi a responsável pelos cliques oficiais das capas dos singles e do álbum e todas as fotos promocionais. Quando ela me perguntou o que eu queria, fui bem direto. “Quero que as fotos retratem um pouco de mim em minha casa”. Faz parte da história de “Dizperto” ter sido gravado em isolamento social durante uma pandemia. Queria imagens que registrassem esse intimismo e essa espontaneidade de estar em casa. A foto em questão mostra minha sala de estar, minhas plantas, meus quadros, minha coleção de discos. Meu habitat natural.
Fernando: A capa também mostra esse intimismo que permeia o álbum. Eu não fazia idéia do que viria a ser a capa de Dizperto até ver essa foto. Soube instantaneamente que seria ela, adoro a simplicidade do p&b e a luz acidental no meu olho não só ilustra bem o título como é também dessas sincronicidades que são difíceis de serem ensaiadas e que acontecem espontaneamente. Ela tinha um prisma na hora da foto, a luz foi direcionada para meu olho, ela gostou e clicou. Não foi algo planejado ou ensaiado.
Muito interessante!