Não é de hoje que bandas nacionais de rock psicodélico chamam a atenção da mídia – até mesmo lá fora. A safra anda mesmo boa e a minha última descoberta tá aí para provar isso. Joana Marte é uma banda paraense que não se prende a estilos, apesar de manter o psicodelismo como base para suas criações.
Formada pelo guitarrista e vocalista Rubens Guilhon, o baixista Leo Chaves, o tecladista João Pedro Normando e o baterista Bruno Azevedo, estourou no ano passado e chegou até a final das seletivas para o Se Rasgum. Voltaram este ano com o ótimo disco de estreia, “De Outro Lugar”.
Com oito faixas que bebem da fonte de Pink Floyd a Tame Impala, transitam entre músicas mais fortes, como “Inimigos”, até algumas mais delicadas e sentimentais, como “Novo Lar (Janela)”, que é uma homenagem póstuma.
Rubens, que ainda produziu o álbum, preparou um faixa a faixa contando um pouquinho sobre a composição do álbum! Então dá o play e acompanha:
O disco foi gravado, quase todo mixado e depois regravado e remixado de novo. Todas as músicas passaram por grandes mudanças desde a versão inicial até o produto final.
1 – Pobre Menino
Essa é a composição mais antiga do disco. Inicialmente tive a ideia de focar em grooves de tom e surdo em 3/4, pra acompanhar, na maior parte do tempo, palhetadas em cordas soltas na guitarra. Porém, na versão final, escolhemos grooves mais retos na batera e deixamos a maior parte da música assim. Eu estava numa vibe mais groovada quando decidi essa versão final. Foi a música que mais teve versões até chegar onde está. A letra fala sobre essa falsa democracia em que vivemos. Sobre como tentam nos dar algo que parece o melhor caminho, mas nunca é, de que forma nos atinge, essa situação.
2 – Inimigos
É uma canção que tem um arranjo tenso, eu diria. Foi proposital. É uma música que representa bastante a vibe da banda. Em compasso ímpar, brincamos com alguns pequenos riffs de synthbass e com entradas fortes cheias de fuzz, numa pegada até meio opera rock. Em “Inimigos”, um riff de baixo executado em “Pobre menino” se repete num momento da música, dando uma ideia de que elas se alinham em arranjo e letra. O solo final era sempre improviso e no meio dessas doidices que eu tocava, acabou rolando um tema sem querer e aí eu só fiz repeti-lo mais umas vezes. A música tem bastante guitarra e algumas percussões eletrônicas, uma mistura que é lindeza, facilmente.
3 – De ré
Uma grande mistura de várias referências, mas todas na mesma pegada. Escolhi por pouca letra pra poder viajar mais nos instrumentos. Ela foi criada a partir do riff principal de guitarra, que é dropado pra Ré e aí o resto foi fluindo em ensaios. Perto da gravação final da música, tive a ideia de convidar alguém que tivesse uma voz mais rasgada e por isso a participação do grande Renan Chady. Queria mais agressividade na sonoridade dela.
4 – Novo lar
A composição mais nova do disco. Possui uma grande carga de sentimentos. A letra fala sobre uma possível presença do meu falecido pai, pós-morte, onde na verdade é só meu desejo de encontrá-lo a partir de lembranças sobre acontecimentos que vivemos juntos. Acho que foi a canção que levou menos tempo pra ser feita. Eu acordei com ela na cabeça, peguei o violão e compus. Na hora de passar pra banda, foi tudo tão natural que ela saiu praticamente pronta pra gravar sem muitas mudanças.
5 – Retrato de nós
Essa canção já teve outra letra e também teve algumas outras versões. Um detalhe interessante é que mesmo sendo uma música “reta”, o primeiro refrão entra no contratempo, há também umas brincadeiras harmônicas com dissonância, que aconteceram naturalmente enquanto eu solfejava as primeiras ideias melódicas.
Contamos com a participação de um grande saxofonista, chamado Felipe Ricardo. Antes de fechar a música no estúdio, a banda conversou e achou que seria interessante uma participação de sopro. Depois fiz minhas edições do sax, coloquei efeitos de repetição e filtros de frequência para criar uma sonoridade não convencional.
6 – Lucidez
Era uma grande jam que fazíamos a partir de um tema que se repetia. Tocamos tantas vezes que virou algo longe de uma jam. Decidi, então, que faria parte do disco, pois cabia perfeitamente no conceito. Houve muita inspiração em alguns trabalhos do atual guitarrista do RHCP, Josh, com o ex-guitarrista, J.Frusciante, principalmente nas linhas de guitarra. Essa música traz referência da primeira canção do disco, onde um discurso em alemão é executado no meio dos riffs, acordes, temas e grooves. É o mesmo executado em “Pobre menino”.
Queria muito ter uma parte com letra, em português, foi aí que criei uma letra para que a Maria Rosa Lima pudesse encaixar sua bela voz.
7 – Valsa
É uma composição do Bruno Azevedo, nosso baterista. Ele chegou com ela praticamente pronta e finalizamos, somente, algumas ideias de arranjo, no ensaio. Na pós-produção, acrescentei alguns timbres bem graves e mais percussão, pra dar um ar mais groovado. É uma valsa que tem seus momentos de peso, com riff cheio de fuzz junto com o baixo, marcando bem o tema tocado. Há uma brincadeira rítmica pelo meio da música, é na parte do riff. Fica tudo quebrado e cai para uma parte mais ambiente chamando o clímax da música, representado por um arranjo de orquestra de cordas bem aparente.
8 – Desconexão
Como o próprio nome já diz, “Desconexão” é uma música com frases quase que sem conexão alguma. É, na verdade, um diálogo entre duas pessoas, ou entre uma pessoa e sua mente. Você decide.
Gravei em uma madrugada, já compus a música gravando direto no computador. Fiquei gritando pelo estúdio (meu quarto) sozinho. O estranho é que nunca mais consegui tocar com aquela energia, então achei que a versão ficou perfeita para o disco. Até gravei uma versão mais editada, com mais arranjo, mas aquela verdade ali, só consegui naquele momento.