No início dessa semana, fui surpreendido pela notícia de que “The Seeds of Love”, terceiro disco de estúdio do Tears For Fears, completava 33 anos de lançamento. Surpresa essa que nem pode ser tão diretamente atribuída à idade do disco ou à velocidade com a qual o tempo passa (até porque nasci depois da data e não acompanhei seu lançamento), e sim à forma como as músicas ainda soam contemporâneas e compatíveis com os fenômenos sociais, políticos e culturais no século XXI.
À época, Roland Orzabal e Curt Smith já se destacavam no synthpop mundial pela densidade sonora e temática, jogando luz em aspectos obscuros da vida humana e transformando a terapia primal do psicólogo Arthur Janov, por exemplo, em uma peça pitoresca e acessível da cultura pop nos anos 80. Esta capacidade de converter uma produção refinada e conceitual em sucesso comercial foi percebida no disco de estreia “The Hurting’’ (1983) e no aclamado “Songs From The Big Chair” (1985), dando crédito e margem para a criação de uma obra ainda mais ambiciosa.
A partir da capa, já é possível obter pistas do grau de heterogeneidade que é contemplado ao longo do disco. Além do duo ali representado, a série de desenhos e gravuras de símbolos sobrepostos sugerem uma atmosfera arquetípica e tridimensional de acontecimentos simultâneos. O caos organizado da ilustração é conectado à polifonia carismática de faixas como “Badman’s Song” e “Year of the Knife”, que apresentam uma faceta complexa e outra leve, destemida, graças à coragem de quem havia compreendido uma nova fórmula de fazer sucesso.
Difícil refutar ou contestar a ideia de que eles também foram muito felizes na construção das letras das músicas. “The Seeds of Love” funciona quase como um manifesto pela paz e pelo amor no apogeu de um planeta em ebulição política, uma conclamação amorosa que arrebata o mercado fonográfico vinte anos depois de Woodstock e refina, ao seu modo, um ponto de vista crítico sobre a sociedade.
Da violência contra a mulher ao desequilíbrio social e econômico mundial, o duo britânico soube pensar e elaborar um retrato sonoro riquíssimo que nos mostra o quão atemporais são estas questões e o quão permanente deve ser a luta contra elas. Afinal, basta um olhar preguiçoso e descompromissado ao nosso redor para não restar dúvidas de que muitos problemas do passado são, na verdade, os problemas de sempre, não é?
Curiosamente, a dupla se desfez após a turnê de promoção do disco e Orzabal conduziu o Tears for Fears por mais de uma década sozinho, até reencontrar Smith em meados dos anos 2000 em um aclamado retorno aos estúdios e palcos. É difícil afirmar, mas é fácil presumir ou desconfiar que uma obra-prima desta escala e magnitude tenha ficado grande demais na mão deles, assim como outras obras-primas ficaram na mão de outros grandes artistas e, muito provavelmente, ficariam nas mãos de qualquer um de nós.
Nossa sorte e privilégio é ter, ao nosso alcance, um disco com tamanho cuidado e frescor. Aos que não conhecem todas ou nenhuma das músicas de “The Seeds of Love”, é importante reservar um tempo e um espaço especial para se debruçar nelas, pois a carga é pesada e a jornada é deliciosamente extensa. Podem acreditar que vale cada segundo!