Texto por: Ana Virtuozo
Assim que eu cheguei em Londres, eu sabia que queria ir em um festival inglês. Foi só ligar o computador e ver o line-up desse ano do Leeds Festival que eu pulei da cadeira e corri para pegar o cartão de crédito. Eu não tinha com quem ir, nem fazia a menor ideia de como pegar um trem e nem mesmo tinha acampado alguma vez na minha vida, mas eu só sabia que queria ir. E fui.
Assim que eu saí do trem em Leeds na sexta-feira de manhã – toda atrapalhada com mochilas, um travesseiro e uma barraca – já puxei papo com um grupo de pessoas que estavam indo para lá para saber como chegar ao festival. Mal sabia eu que Nao, Liza, Sandy e Rob, cada um de um país diferente, seriam meus melhores amigos durante o final de semana.
O parque era gigante. Eu não tenho ideia de quantas pessoas estavam acampando, mas posso dizer que o festival de Leeds virava uma outra cidade durante o final de semana. Além de uma área extensa disponível para acampar, o lugar tinha várias barraquinhas de comida de várias nacionalidades diferentes, muitas lojas, serviços de banco, mercado, beleza e carregamento de baterias e celulares, parque de diversão e até uma tenda especial para os aventureiros religiosos. Decidimos acampar no acampamento marrom, que, apesar da caminhada de 20 minutos no meio da lama para chegar, era o mais deserto e silencioso – a decisão mais sábia que fizemos. Lá encontramos mais outros amigos de Liverpool que, para a minha sorte, sabiam como montar uma barraca.
Infelizmente, perdemos o show do Papa Roach – um dos que eu mais esperava ver – mas foi por uma boa causa. A única coisa com o qual eu me decepcionei no festival era o fato de que várias bandas que eu gostava estariam tocando ao mesmo tempo, porém, ao contrário do Lollapalooza Brasil que eu fui em março desse ano, a maioria dos palcos eram isolados em tendas, menores e mais perto uns dos outros, além de os britânicos serem um povo bastante educado, o que facilitava muito na hora de correr enlouquecidamente para ver uma outra banda tocar. O palco principal seguiu com Sleeping With Sirens e A Day To Remember, e, a essa hora, eu já estava em cima do pessoal em um crowd surfing inesperado, perdendo meu óculos e o livrinho com a programação do festival que me custou 10 libras (40 dilmas, ou duas refeições no local). The Kooks e The Horrors foram outras boas bandas que eu vi, mas minha surpresa mesmo foi The 1975, que nunca tinha ouvido e me apaixonei na hora. De fato, palco NME/BBC deu, o festival inteiro, lugar para várias bandas que eu desconhecia antes, mas acabei por gostar muito.
À noite, uma multidão se reuniu pra ver Blink 182 de volta no palco principal. Eu gostei muito, talvez tenha sido a nostalgia da minha adolescência, mas muitos falaram que não foi uma das melhores performances da banda. No final, ainda consegui ver uma parte da apresentação do Disclosure com uma plateia enlouquecida e muitas luzes coloridas. Pra mim, uma das melhores da noite.
Depois da primeira noite dormindo em uma barraca pequena e desconfortável, acordei cedo e bastante disposta para o segundo dia de shows. Não sei de onde tanta energia veio, já que fazia muito frio no suposto “verão”, mas duas horas antes já estava no palco NME/BBC para ver Gerard Way, um dos maiores ídolos da minha adolescência, tocar. Reading e Leeds foram os primeiros shows dele em sua carreira solo e me senti muito realizada porque, durante a única apresentação do My Chemical Romance no Brasil, eu estava de férias nos Estados Unidos e nunca pude ver minha banda favorita da época tocar. Ninguém sabia as letras, mas todos entonavam o refrão e aplaudiam no ritmo do jeito que podiam. Como disse Way, “I’m sorry you don’t know any of these songs, but you’re gonna love them anyway”. Depois do show, fui tentar uma chance de vê-lo na barraca de autógrafos, mas a fila estava tão grande e começou a chover tanto que desisti e corri para o palco Alternative ver o que estava acontecendo por lá. Não lembro qual o nome da banda, mas também não decepcionou.
A chuva continuou forte por uma boa parte da tarde do sábado, mas já que a maioria dos palcos eram cobertos, ninguém se importava. Bandas pequenas e desconhecidas ganhavam um público enorme de refugiados da chuva. Quando São Pedro deu uma trégua, corri de volta para o acampamento para pegar a capa de chuva na minha mala. Para quem nunca esteve na Inglaterra, o tempo aqui é louco: em um momento o céu está lindo, limpo e ensolarado, e no outro, começa a chover. Quem é daqui já está sempre preparado para essas coisas, mas para brasileiros ingênuos como eu, aprendemos do pior jeito. Meus outros colegas de acampamento, pelo visto, tiveram o mesmo problema.
No caminho de volta para ver Enter Shikari, nos perdemos no meio dos vários brinquedos espalhados pelo caminho da arena. Todos eles te davam bastante frio na barriga e funcionavam dia e noite, mas decidimos ir antes porque brincar embriagados durante a madrugada ou de ressaca pela manhã não era algo muito inteligente a se fazer. De brinquedo em brinquedo, com pausa pro lanche e banheiro, chegamos a tempo de ver só o final de Vampire Weekend. Ficamos no palco principal para ver Queens of the Stone Age, que tocou em seguida, e eu achava que esse tinha sido um dos melhores shows que eu já tinha visto na minha vida, mas, logo antes do final, voltei ao palco NME/BBC para ver Metronomy tocar. Eu só sabia algumas partes da letra dos hits da banda, mas fiquei de boca aberta durante todo o tempo. Se eu não tivesse visto Roger Waters tocar no Beira Rio em Porto Alegre com o seu majestoso espetáculo The Wall, diria que, esse sim, era o melhor show que já vi. Numa estética toda retrô com integrantes talentosos que cantavam e tocavam, pelo menos, dois instrumentos cada – incluindo uma mulher que detonava na bateria – a banda me surpreendeu a cada música.
O último show da noite foi Paramore, mas fazia tão frio na cidade de Leeds que eu só fiquei tempo o suficiente para dizer: Hayley Williams, por favor, vá fazer uma hidratação nesse cabelo.
No domingo, último dia de shows, fizemos um almoço em comemoração do aniversário do Rob. Com uma bandeja de alumínio, grade e pedaços de papel, improvisamos uma churrasqueira para fazer hambúrgueres, linguiças e bananas assadas. Para quem estava se alimentando de Pringles e comida chinesa o final de semana inteiro, um pão seco com catchup, uma fatia de queijo e carne com gosto de papel queimado no meio era a melhor refeição do mundo e foi o suficiente para renovar as energias para o dia. Vi um pouco do Lower Than Atlantis antes de ir para o palco principal esperar pelo The Hives, banda que eu já tinha visto antes, mas que valia a pena ver de novo. O meu plano era ficar no palco principal até a última banda, Arctic Monkeys, tocar e ir me enfiando cada vez mais para perto do palco. No meio do show, o vocalista Pelle Almqvist quase se jogou no meio da multidão e eu pude vê-lo a uns dois metros de distância. Para quem já viu The Hives tocar, sabe o quão insanos eles são no palco. E para quem não viu, fica a dica: mesmo quem não é fã, vai curtir muito o show.
Foster The People é outra ótima banda ao vivo. Todos tinham tanta energia e se moviam e revezavam tanto entre os instrumentos que cheguei a ficar perdida em algumas partes do show, procurando o vocalista. Eu tinha minhas dúvidas quanto a bandas que tem muitos “efeitinhos especiais” nas músicas quando tocam ao vivo, mas, assim como Metronomy, eles fizeram um ótimo trabalho no palco. Quem também fez um bom trabalho foi Imagine Dragons, que entrou logo em seguida. Nesse momento, eu já estava bem perto do palco e pude ver o show de perto, o que foi ótimo, já que quando os vi foi de tão longe e tão tarde que nem valia a pena ficar. O bacana foi quando eles falaram que, quando eles tocaram em Reading e Leeds no ano passado, eles não eram muito conhecidos e poucas pessoas assistiram ao show. Esse ano, dezenas de milhares de pessoas estavam presentes para ver a última apresentação do seu álbum Night Visions. Eles citaram o Brasil ao tocar, assim como São Paulo, Song 2 do Blur, e terminaram com uma performance alucinante de Radioactive. Poderia dizer que vi toda a alma da banda enquanto todos, de joelhos e cabeças baixas, tocavam os tambores no palco.
Já conseguia colocar a mão na grade quando Jake Bugg começou a tocar e fiquei me perguntando o tempo inteiro da onde todo aquele talento saía de uma pessoa tão pequena. Também era a segunda vez que o via tocar, mas estar tão perto do palco muda bastante coisa. Por fim, uma das grandes razões de eu ter decidido entrar nessa aventura louca, Arctic Monkeys, chegou. Nessa hora eu já estava esmagada contra a grade, perdendo a razão, as eiras e as beiras e, pelas fotos e vídeos completamente trêmulos no meu celular, posso dizer que tudo valeu a pena. Alex Turner deu um belo susto na galera quando, lá pela metade do show, disse que seria a última música da noite (sem ter nem tocado R U Mine? e I Bet You Look Good On The Dancefloor!), mas ainda teria muito pela frente na última noite de festival.
Me senti órfã quando acabou, completamente desolada. O plano era ficar na festa que teria na madrugada, mas estávamos todos tão cansados que fomos dormir para acordar cedo e desmontar o acampamento. Saímos do parque às cinco da manhã da segunda-feira e ainda tinham pessoas nos brinquedos e nas festas espalhadas pelo camping. Apesar de não estar com meus amigos de longa data (mas, mesmo assim, com novos amigos para a vida inteira), posso dizer que foi um dos melhores finais de semana da minha vida. Nem quando eu perdi meu trem por 10 minutos me deixei abalar. Meu único arrependimento foi não ter levado galochas.
Mal terminou o festival e eu já estava convidando meus amigos para ir ao do ano que vem. Leeds 2015, quem sabe a gente se verá de novo.