Entrevista: Fernando Parré une o visual e o sonoro no EP “Forja”

Forja é ofício. É se moldar e encontrar o ponto certo entre a resistência e a inovação para criar arte, para transformar um metal, um material bruto, em algo novo. É um processo de ressignificação. É, também, o nome do estúdio e do novo EP de Fernando Parré, músico, produtor, poeta, fotógrafo, filmmaker e pintor de Botucatu/SP.

E o nome não poderia ser mais propício. Não só por se tornar uma alegoria para o próprio processo criativo como também por refletir muito bem o momento que acabou ajudando a moldar este trabalho. “Forja” é produto e reflexo da pandemia, criado sob sua influência.

Ao longo de um ano e meio, o projeto tomou forma em duas frentes: visual e musical. Esse processo criativo retroalimentado resultou em quatro músicas, que direcionaram o imagético. Este, por sua vez, aprofundou e lapidou as mensagens sonoras.

“Forja” representa um ciclo, um espaço-tempo contido em quatro músicas. Cada uma com uma imagem que a representa. Assim como o EP, que funciona como um todo, mas com cada música também fazendo sentido individualmente, as imagens se unem e complementam para formar a capa deste trabalho.

Sobre o processo de composição

“A composição se deu principalmente nos primeiros seis meses de pandemia, de abril de 2020 até agosto. Nesse ponto, a estrutura básica das músicas e as letras estavam já definidas”, explicou Fernando durante a nossa entrevista. “Mesmo assim, houve mudança ao longo do processo. Num sentido estrutural, foram adicionadas algumas partes na faixa Lar. O solo da faixa Luta também foi uma adição mais tardia. Havia o momento da intensidade no meio da música, e o solo foi criado sobre essa base”.

Conversando sobre o conceito de “Forja”, ele explica que “surgiu no momento de eu estar assumindo arte como atividade principal do meu sustento – e me formando em Agroecologia”. “Forja também é o nome do meu estúdio. Foi da fundação dele, nessa mesma época, que o nome Forja fez todo sentido pro EP”. É a Forja como espaço físico, que dá início a esse e outros fazeres artísticos. “Acho que foi bem por aí – criar o espaço físico para isso – oficina -, assumir meu fazer artístico – ofício – e lançar no mundo o que nele produzi – arte”.

Já os nomes das músicas vieram só em 2021, assim como boa parte da construção visual do projeto. “Já existiam concepções prévias, mas o processo de criar a identidade visual trouxe novos elementos e direcionamentos da narrativa do Forja. Em suma, a composição buscou uma estética diversa, um uso de gêneros musicais em diálogo, mas que despertassem o interesse de quem escuta. E, ao escutar a ‘forma’ das músicas, o conteúdo foi trocado, dialogado. Na atenção à pressão que as redes sociais e as plataformas de streaming fazem, onde o que importa são formatos vendáveis, sempre procurei usar da estética como ferramenta para comunicar o conteúdo, a mensagem, a narrativa. A importância do conceito, da mensagem, em tempos de industrialização da música.

Influências e ritmos

Entre essa jornada que compõe “Forja”, transitamos por gêneros e influências que se colidem e misturam, passando da calmaria a momentos mais intensos. EDM & Downtempo, Darkwave & Lo-Fi, House & Dubstep, Jazz & Rock, Cumbia & Groove, Ciranda & Olodum dialogam nesse trabalho.

“Gosto bastante de explorar e conhecer gêneros. Investigar as linhas e limites que os tornam quem são, um categorizar que agrupa semelhanças, mas pode valorizar também as diferenças: diversidade. Portais de exploração musical. Apesar da grande quantidade de gêneros do EP, ainda me parece ser apenas uma parte do que existe – e pode vir a existir. Foi um processo bem orgânico, a escolha dos gêneros nas músicas. Foi ir sentindo as referências que surgiram do processo espontâneo de criação e, a partir daí, aprofundar nos elementos estéticos que fazem os gêneros reconhecíveis. Foi um encaixe entre gêneros que tá mais pra um abraço entre estilos”.

E, apesar da vasta experimentação, há ainda uma variedade para experimentar no futuro. Só como teaser, ele cita Afrobeat, Maracatu, Huayno, Stoner/Math Rock, que já estão em devida investigação. Será que vem aí?

A jornada em “Forja”

O EP inteiro é cíclico, abrindo com uma canção lamento que versa sobre o momento difícil pelo qual passamos. Seu contraponto, “Festa”, vem na sequência, trazendo a energia dos ritmos latinos para levar à ação, ao fortalecimento. “Luta” aquieta e reflete, trazendo uma volta à realidade e uma lembrança da luta e esperança diárias, flertando com o jazz. Por fim, “Lar”, que é menos ação e mais contemplação. Uma faixa instrumental, groovada, fechando o ciclo para iniciar um próximo.

Nas palavras do próprio Fernando, “Pranto, Festa e Luta” são músicas mais intensas. São lugares de existir onde fala, diálogo, troca, entendimento, análise e enfrentamento são presentes. Dentro da narrativa, Pranto busca entender e olhar para o que há, de ter paciência e não menos, agir; Festa fala de reunir forças, consigo e com outras pessoas, e trabalhar nos processos graduais e nos abruptos; Luta é o momento de reunidas as forças, trabalhar nas escalas do tempo e do espaço, de enfrentar o que precisa ser enfrentado. Lar, então, chega como repouso e não menos um ponto de partida”.

“E depois do caminho de falas e intensidades, um lugar de silenciar, repousar, de nutrir-se, expandir as raízes e levar os galhos ainda mais ao céu. E se preparar para novamente agir, ir ao mundo. Forja é cíclico. A última faixa é também prenúncio da primeira”. E, assim como as músicas, as imagens da capa seguem essa mesma ordem.

O papel da arte

Com um EP que acalenta e instiga na mesma proporção, “Forja” consegue trazer um escapismo necessário, mas também retratar o momento em que vivemos. Fica então o questionamento: em um (des)governo, qual o papel da arte?

“O escapismo por meio da arte pode não ser necessariamente negar o que há, fingir que não estamos numa guerra. Pode ser um escapismo que na verdade é respiro. Escapar das opressões e estruturas físicas, institucionais e simbólicas é também resistir e reunir forças pra lutar, quando se trabalha para tanto”, opinou. “E vejo arte também como luta, em diversos sentidos e escalas. De processos individuais a transformações sociais, espaciais, arte é local de locomotiva humana. Tem lutas que fazem necessário abrir espaços pra entender onde e como agir; escapar do furacão pra poder transformar. Outras, que tem uma construção histórica que demanda paciência, mudança gradual – e lenta. Outras, ainda, que demandam embate, impacto, explosão. Que tem espaço pra transformação proporcional à energia e sagacidade de quem age”.

“Em suma, acho que a arte tanto quanto luta ou escape é uma forma de estar mais humano, dentro de horizontes inclusivos, com percepção histórica, críticos. De resistir e existir e transformar o que é necessário. De acessar uma linguagem comum a todos, possibilitar trocas, reflexões, provocações – potência de construir existências mais saudáveis, dos indivíduos à paisagem”.

E o resultado, em toda sua humanidade, é o EP que você confere aí embaixo:

Bruna Manfré

não é boa com descrições.

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