Começar a ler Olivia Laing foi como reencontrar uma grande amiga. Sentar por horas e ouvir histórias, pegar referências. Não conhecia o trabalho da autora, que também escreve sobre arte e cultura para o Guardian, Financial Times e Elle, entre outros. Então o fato de “Funny Weather – Art in an Emergency” ser um apanhado de trabalhos já publicados não me incomodou at all.
E como poderia? Ela abre o livro com uma constatação nua e crua sobre o estado de pressão e paranoia atuais. Sobra pra Trump, Brexit, sobra para o avanço do autoritarismo e da extrema direita. A partir daí, questiona qual é o papel da arte. Sua resposta inicial? “Eu não acho que a arte tenha o dever de ser bela ou animadora. E alguns dos trabalhos que mais me atraem se recusam a transitar entre uma qualidade ou outra. O que mais me interessa, e o que forma o fio condutor de quase todas as críticas e ensaios reunidos aqui, é sua capacidade de resistência e reparação”.
Durante as 368 páginas, Olivia faz uma seleção apurada de artistas inquietos por natureza, transgressores à sua maneira. Tudo muito bem dividido em, basicamente, oito partes, onde se alterna entre (muita) pesquisa e técnica e uma prosa bem intimista e pessoal, fazendo comentários e mostrando como algumas das obras afetaram sua vida.
Logo de cara, começamos com Basquiat e outros oito artistas plásticos, todos eles com histórias de enfrentamento ao “normal” da época. Aliás, uma delas é do próprio fotógrafo da capa do livro e guru pessoal de Olivia, Derek Jarman, artista visual, cineasta e ativista na luta contra a epidemia de AIDs.
Aqui, vale dizer, vem um dos únicos incômodos com o livro: apesar de citar muitas obras, nenhuma delas é reproduzida no livro. E a minha dica é manter o Google a um clique de distância, assim fica mais fácil associar o nome à pessoa e entender sobre qual obra ela se refere, quase como conhecer visitar um museu com uma guia particular.
Entre os temas recorrentes em seus ensaios, podemos citar a cultura queer e o enfrentamento até a descriminalização da homossexualidade, o Brexit e a questão dos imigrantes.
Um dos textos que mais bateu em mim acaba não trazendo nenhum artista conhecido, mas é um trabalho publicado no Guardian sobre o projeto Refugee Tales. Nele, Olivia reconta a história de um exilado político em Londres. Entre mais de vinte anos preso, R, cujo nome não foi revelado, ainda lidou com a pressão para voltar para seu país de origem e com as poucas condições de progredir na vida, o que nos faz questionar até que ponto a Inglaterra realmente apoia os direitos humanos e enterra qualquer vontade de mudar para lá (ou pelo menos joga um belo de um balde de água fria).
Aliás, talvez esse seja um dos motivos de ter gostado tanto de “Funny Weather”. Não consigo nem me lembrar qual foi a última vez que me senti tão instigada a pesquisar mais depois de uma leitura, questionar e ir atrás de novas fontes – e mesmo voltar a escrever.
Falando nisso, mais para o fim, a ênfase do livro recai sobre o peso de ser mulher – mais especificamente escritora mulher, mas também de um modo geral. E revivemos e exaltamos autoras dos anos 20 (muitas, inclusive, escrevendo sob pseudônimos masculinos ou entre idas e vindas de clínicas psiquiátricas), fora alguns nomes atuais.
Não consigo imaginar outro livro que seja tão necessário e acolhedor em um momento de pandemia. “Funny Weather” foi um refúgio bem vindo que recomendaria para qualquer um, principalmente se tiver uma inclinação para as artes.